COMPREENDER A GUERRA NA SÍRIA E O MÉDIO ORIENTE
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sexta-feira, 13 de abril de 2018

COMPREENDER A GUERRA NA SÍRIA E O MÉDIO ORIENTE

COMPREENDER A GUERRA NA SÍRIA E O MÉDIO ORIENTE 

"Quando eu regressei ao Pentágono em Novembro de 2001, um oficial sénior do staff militar, teve tempo para falar. Sim, estamos a caminho para ir contra o Iraque, disse ele. Mas havia mais. Isto tinha sido discutido como parte de um plano de uma campanha de cinco anos, disse ele, e eram um total de sete países, começando pelo Iraque, então Síria, Líbano, Líbia, Irão, Somália e Sudão. ... ele disse isto com descrédito - com quase descrença - num suspiro de uma visão. Afastei-me da conversa, por isto ser algo que não me agradaria ouvir. E isto não era algo que eu queria que também fosse para a frente ...Deixei o Pentágono naquela tarde profundamente perturbado." - "Vencendo Guerras Modernas", General Wesley Clark.

Por Paulo Ramires,

O Médio Oriente caracteriza-se por um xadrez geopolítico que assume níveis de alguma complexidade, muito pela razão de nesta região estarem alicerçados os interesses geoestratégicos de vários países regionais e mundiais como a Rússia e os EUA, mas também de vária multinacional de energia, armamento entre outras. Estes interesses chocam-se e cruzam-se provocando, tensões e conflitos ampliados pelas próprias características étnico-religiosas da população do Médio Oriente, escassez de recursos naturais e o predomínio de uma considerável riqueza em hidrocarbonetos como o petróleo e o gás natural. 

Os actores do Médio Oriente 

Ramos religiosos do Médio Oriente

Alguns destes conflitos têm origem na eterna disputa pela terra, água e gás natural entre Israel e Palestinianos, disputas pela influência regional entre a Arabia Saudita e Irão no Iémen que têm dado origem a uma guerra entre a Arábia Saudita e o Iémen. O Iémen está dividido em grupos étnicos, políticos e religiosos, e onde grupos terroristas como a al-Qaeda disputam território. Os Hutis de maioria xiita e apoiados pelo Irão chegaram ao poder num golpe de estado em 2014 onde uma nova guerra civil surgiu como resultado e com o envolvimento da Arábia Saudita a apoiar o governo de Hadi que voltou ao poder em 2017. O Irão e a Arábia Saudita têm disputado a influência no Iémen apesar de ser um dos países mais pobres do mundo e sem recursos naturais. Há ainda o conflito entre Israel e o Líbano, em particular com o Hezbollah, movimento politico, militar, social e religioso xiita que nestes últimos anos tem ganhado influência no Médio Oriente e em diferentes conflitos, recebendo sempre o apoio do Irão, na verdade o Hezbollah apesar de ser um movimento libanês é influenciado politicamente e religiosamente pelo Irão e isso reflecte-se também nas opções militares que um concelho supremo toma, o Hezbollah tem ainda relações com outros países de fora do Médio Oriente, nomeadamente com países da américa latina contrários à expansão dos EUA e com o Hamas onde o apoia na luta com Israel. A síria é governada por um governo de influência alauita e cujo presidente é Bashar Hafez al-Assad que beneficia do apoio do Irão xiita, Rússia e Hezbollah, este grupo de países rivaliza com uma aliança de países liderados pelos EUA, França, RU, Arábia Saudita e outros países como o Qatar ou Emirados Árabes Unidos. A Turquia porém tem uma posição ambígua em termos de alianças, por exemplo a Turquia é o segundo maior país da OTAN fazendo parte deste bloco, mas recentemente tem alinhado com a Rússia e o Irão numa posição também paradigmática, este país liderado por Recep Tayyip Erdoğan tem vários interesses variáveis no Médio Oriente onde combate os curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e os do YPG (Unidades de Protecção do Povo) que por seu lado são aliados dos americanos no controlo da região norte da Síria junto à fronteira com a Turquia, a Turquia têm assim divergência geoestratégicas com os EUA suficientes para que não hesite em fazer parceria com a Rússia de Putin e o Irão de Ali Khamenei. A Turquia deseja expandir a sua influência, mas para isso tem de afastar os curdos da região da Síria que são independentes e desejam restabelecer o estado curdo que foi integrado em 1923, com o Tratado de Lausana, no Iraque, Síria e uma outra parte - o Curdistão - na Turquia e no Irão. O Iraque tem tolerado a influência do Irão e de certa forma alinhado com o Irão no combate de diversos objectivos estratégicos nomeadamente o combate ao IE (Estado Islâmico) ou a al-Qaeda. 

O plano de Washington para o Médio Oriente 


Mas quais as razões destes dois blocos de países aliados se confrontarem permanentemente? As razões são variadas, mas as principais são o controlo pelos hidrocarbonetos (gás natural e petróleo), água, terra e influência geopolítica na região, isto para não falar das multinacionais, elas próprias com uma agenda com um poder suficiente para influenciar governos. Estes são alguns actores do conturbado puzzle que é o Médio Oriente. 

Após a queda da União Soviética, os EUA tentaram controlar todo o Médio Oriente definindo um plano em que consistia mudar regimes e governos que não alinhassem com os interesses de Washington em redefinir fronteiras, os primeiros países a serem alvos destas alterações eram sete ‒ Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Irão, Somália e Sudão. 

O que estamos a assistir actualmente no Médio Oriente faz parte deste plano que ao longo destas décadas tem vindo a ser negociado entre todos os actores que nele participam, mas os planos de Washington para implementar este mapa têm vindo a ser gorados pelo surgimento de uma Rússia militarmente e diplomaticamente forte e de um Irão que se tem destacado e surgido como um dos principais actores do Médio Oriente e que obviamente não aceita tais planos de Washington. 

O conflito da Síria 

Áreas de influência na Síria

O Golfo Pérsico é rico em depósitos de Gás natural, um destes depósitos é dividido entre o Irão Xiita e o Qatar sunita, sendo uma destas metades ‒ o North Dome ‒ situada em águas marítimas do Qatar e a outra metade ‒ o South Pars situado em águas marítimas do Irão. Ambos estes países têm natural interesse em explorar e exportar este gás para a Europa, um dos grandes consumidores de gás natural. 

Em 2009 com o objectivo de exportar o seu gás, o Qatar, aliado da Arábia Saudita e dos EUA propõe ao presidente Bashar al-Assad a construção do gasoduto Qatar-Síria que seguiria através da Turquia para a União Europeia. Mas Assad toma a decisão de rejeitar a proposta. Para Assad e para a Síria as relações com a Rússia e a Gazprom são preferenciais por não colocarem a soberania da Síria em causa ou a economia que Assad insiste que deve ficar sobre controlo do governo sírio bem como o Banco Central da Síria. 

A Junho de 2011, o Irão avança com uma proposta para a construção do gasoduto Irão-Iraque-Síria com 1500 quilómetros e que começa no porto de Asaluyeh e estende-se até Damasco na Síria, seguindo depois para o Líbano, e continuando em direcção à Europa atravessando a Turquia que desempenha um papel importante na comunicação entre a Europa e o Médio Oriente, este gasoduto foi chamado de “Islamic Pipeline” [Pipeline Islâmico] e resultou num acordo estratégico entre estes países e a Rússia. 

Este acordo seria um revês importante para o Qatar e os seus parceiros estratégicos na região e no Ocidente. Para sabotar este acordo, o Qatar, a Arabia Saudita, os EUA e a França criaram um plano para a criação de grupos terroristas na Síria e no Iraque como o ISIS (Estado Islâmico do Iraque e al-Sham) ‒ mais tarde apenas Estado Islamico ‒, o Exercito Livre da Síria (FSA), a al-Qaeda, a Frente al-Nusra, a Jabhat Fatah al-Sham (afiliado da al-Qaeda), Ahrar al-Sham (grupo islamita e salafista), Asala Wa-al-Tanmiya, Legião Sham, Ajnad al-Sham, Islamic Union, Jaysh al-Islam, Jaish al-Fatah entre muitos outros. Estes grupos transformaram-se nos próxies de vários países aliados do bloco liderado pelos EUA, mas cada um com objectivos tão distintos como a criação de estados islâmicos na Síria e no Iraque, independentistas ou com o objectivo de derrubar Bashar al-Assad. 

Porém estes grupos não conseguiram nenhum destes objectivos de forma permanente, devido às forças de inteligência e militares da Rússia e do Irão a que se juntou depois as do Hezbollah do Líbano, mas sobretudo com a intervenção militar da Rússia na Síria a pedido de Bashar al-Assad. Com os próxies do Ocidente, Israel, Qatar e Arábia Saudita derrotados, não resta outra solução que não seja a intervenção militar directa destes países na Síria de Bashar al-Assad com os EUA na liderança. Mas este bloco de países nomeadamente os EUA têm um problema complexo que tem de ser contornado. Ninguém, nem mesmo os EUA estão interessados em confrontar a Rússia, tal confrontação entre dois blocos antagónicos envolvendo a Rússia e os EUA levaria quase certamente à III Guerra Mundial que extravasaria o próprio Médio Oriente e faria frentes de combate na Europa e no Mar do Sul da China. Não obstante a posição moderada da China, é importante não esquecer, que China e Rússia fazem parte da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), uma aliança que tem como objectivo principal a cooperação para a segurança - nomeadamente, quanto a terrorismo, separatismo e extremismo e que o Irão é membro observador. Sabendo disto, a diplomacia entre estes dois blocos de países procuram evitar a todo o custo, uma confrontação militar directa entre si. Tem assim havido um planeamento intenso trabalhado pela diplomacia destes países para que todos estes interesses se possam encaixar de forma a que se evite uma guerra directa na Síria entre estes países. 

Bases militares na Síria a 11 de Abril de 2017

Todavia o presidente da América deu um passo perigoso ao preparar uma força naval americana conjuntamente com o RU e França para atacar a Síria, um passo que se for em frente ‒ e pelos vistos vai, pois será muito difícil fazer recuar estes dispositivos militares já em movimentação operacional ‒ violará o Direito Internacional e pode provocar consequências imprevisíveis, a não ser que haja provas evidentes confirmadas por entidades adequadas internacionais ‒ e não pelos próprios países ‒ de que o ataque ocorrido na Síria foi um ataque químico, e neste caso o Conselho de Segurança das Nações Unidas teria de tomar uma decisão.

O alegado ataque químico na Síria

Há muito em jogo, as autoridades sírias estão numa posição vencedora e sabem perfeitamente que se usarem armas químicas passariam de uma posição vencedora para uma posição perdedora, assim porque razão usariam armas químicas contra o seu próprio povo que ainda por cima acolheu feliz as forças militares de Assad quando entraram em Douma ou em Ghouta? Não faz sentido pois não? Por outro lado a coligação liderada pelos EUA têm a necessidade de um pretexto para que possam invadir a Síria dentro de um quadro legal e não à margem do Direito Internacional, o que seria bastante grave. Assim se pode perceber a quem interessa que as armas químicas possam ser usadas. Não é assim?


1 comentário :

  1. Todos os pressupostos desta narrativa tem a luz apagada. O caminho do coletivismo virou capitalismo, logo, a defesa dos valores assentava na URSS, que já foi, e na china de Mao-Tsetung. Agora a funcionar em economia-capitalista tudo muda meus amigos. Uma Rússia-capitalista não elege Lenines e muito menos Stalines tal como a China actual na procura de prosperidade para o seu povo não pode voltar à marcha lenta do coletivismo-controlado. As regras são para cumprir por todos e assim caminhar-mos para a boa gestão global a bem de todo o mundo. A treta dos hidrocarbonetos é uma falácia, hoje em todo o globo há petróleo a depender das tecnologias de exploração. aquelo do petróleo acabar já não é sério, pois quando acabar o planeta começa a desmoronar.

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